Um joelho aberto e a repulsa pela verdade

POR

Rapha Barreto

Strategic Planning VP na FCB Brazil

Parece que respeito é uma coisa que rareia nas relações. Porém, falando com quem veio antes de mim nessa vida, a sensação é que o mundo só tirou um pouco das cerimônias.

Antes, talvez, os humanos procuravam zelar pelos bons modos de forma demasiada, o que impedia um falar verdades para o outro, franca e diretamente. As verdades que doem, quero dizer. A escolha era pelo velado, a intriga, o disse-que-disse e o deixa-pra-lá. Orgulho e Preconceito, novelas Vitorianas, etc, etc.

Hoje, há outro fenômeno, correlato: essa vida de plástico, a dita instavida. Todo mundo é bonito, todo mundo curte, todo mundo bate palma e elogia. Ninguém critica mais, me parece. E me refiro as relações pessoais, até profissionais, entre duas pessoas ou, no máximo, um punhado delas. Deixo de fora aqui as mobilizações sociais coletivas.

Discuti de forma estimulante com um amigo meu sobre isso e nos debruçamos sobre um ponto comum: a bundamolização do mundo. Um bando de bunda moles que não tem coragem de falar nada fora do script para ninguém. A formalidade que deixa tudo chato e médio. Aquilo que parece não permitir que se fale nada de crítico para ninguém sem parecer malvado, arrogante, duro demais. E, no trabalho, impede que se fale mal do trabalho do outro, quando se acha que o trabalho é ruim. Onde está a maldade na crítica construtiva e franca?

Isso tem efeitos diversos, nas relações sociais como um todo, mas gostaria de dar foco em uma relação, em específico. A hipótese é que quando não se pratica a crítica (construtiva) aos outros, não se consegue fazer isso para si próprio. Estou falando daquele exercício cruel de olhar para os seus defeitos, de dizer verdades para o espelho, de ver que você não é bom em tudo ou que abandonou seus sonhos por traumas, por medo ou pelo socialmente correto a se fazer. Você, talvez, não se respeita. Talvez, esteja politicamente correto consigo mesmo. Formal. Cortejando seus sonhos com ilusões sobre quem você é.

Tem gente que se cobra demais, mas não confunda. São coisas diferentes. Você pode estar vivendo o sonho dos outros, o “certo” a ser feito e se cobrando por não conseguir. E sofrendo muito por isso. Preso dentro de suas próprias mentiras.

Pergunta: você já se criticou hoje? Já revelou para si aquilo que não gostou em você? Seja no trabalho, na vida amorosa, com seus pais. Um trabalho hercúleo, de fato, porque exige uma dolorosa dose de auto-transparência. Tenho certeza que você já cometeu auto-engano. Tenho certeza que você já tapou o Sol dos seus erros com uma peneira. É como não olhar para o joelho aberto depois de cair feio da bicicleta. Porém, eu não sei se você tornou isso um hábito tão arraigado que já nem percebe que passa os dias se cortejando, através das suas formalidades ocas, blindado pelo orgulho próprio ou pela cobrança dos outros.

Critique os outros, com respeito. E critique-se, com coragem.

(olhe para o seu joelho)