Fundador do Unplanned e Diretor de Planejamento na F/Nazca Saatchi Saatchi
Bom dia, robô. Você é raso?
Sim, você.
Calma, não sai do texto ainda… lê mais um pouco… aguenta o desconforto por 5 minutos.
Esse texto é sobre tentar se forçar a fazer o que não fazemos mais.
Aguentar o desconforto podia ser o tópico. Mas não é.
A não ser que a gente ache desconfortável olhar com calma as coisas.
Será?
Que o mundo moderno nos seduz e vicia já sabemos, mas, como tudo na vida, essa liquidez e velocidade nos traz consequências de um lado nem tão legal assim.
Numa mão temos o excesso de tudo na velocidade da luz. E a nossa pressa.
Na outra, a tecnologia encurtando o trabalho, onde praticidade é necessidade. Resumo: nos automatizamos.
Somos cheios de opinião e vazios de olhares.
Nosso próprio olhar.
Menos manada.
Contraditório pensar que o que mais valorizamos hoje é autoria.
Pra ser autor, precisa digerir, sentir, formular. O oposto do que fazemos.
Ao ler, já estamos pensando o que vamos dizer. Dizer, protagonizar, parecer.
Nossos olhos estão lendo apenas os títulos. Mal e mal os títulos.
Tipo o jornalismo vagabundo que se baseia em manchetes e cliques.
E só.
Culpa nossa.
Vale para os sites e redes sociais mas vale para a vida.
Olhar e não ver.
Por que pra ver precisa querer. Trabalhar o pensamento.
Pensar não dói, mas dá trabalho.
Compromisso, energia, e um mínimo tempinho. Tempo que não temos.
Curioso isso. Achamos que não temos tempo pra nada, mas passa um ano, um mês e mais ou menos estamos no mesmo lugar fazendo a mesma coisa.
Então resumo é que não tínhamos tempo para nada porque gastamos tempo pra nada.
Pense nas polêmicas do dia na última semana. Hamburgueria no dia 1. Atletas e photoshop dia 2.
Geração tal no dia 3. Artigo infeliz no dia 4. Planilha de excel anônima no dia 5.
O que fica?
Quanto você entendeu o assunto?
Quanto digeriu e gerou um debate na sua rede ou proximidade?
Pegou pra você? Essa é uma boa questão: o que você pega pra você?
Pra entrar na história, respirar a história, produzir, concluir, agir…
É tanta pressa que as polêmicas, que antes tinham o papel de gatilho para mudanças e tratamento das questões, hoje se encerram nelas mesmas.
Polêmica é fim, e não começo de algo que precisa ser tratado.
Tchau polêmica de ontem, que venha a de hoje.
Afinal não quero me envolver, pensar, propor, fazer algo no meu micro mundo.
Um rápido exercício: olhe pra frente e encontre a primeira pessoa que seus olhos alcançarem.
Colega de trabalho? Sua vó? Seu filho?
Qual foi a última vez que você conversou sem precisar dessa pessoa ou olhar no relógio? Digo mais: qual foi a última vez que você observou uma pessoa (as vezes discretamente) por uns 5, 10 minutos…
No trabalho, na praça, em casa.
A roupa, o jeito, o semblante, a ação. A história.
Estar em todos os lugares e não estar em nenhum. Consumir tudo e não sentir nada. Olhar tudo e não raciocinar sobre nada. Essa semana me peguei voltando 3x o seriado que estava vendo por que perdi, sistematicamente, o mesmo diálogo. Três vezes! O celular notifica, o escravo vai.
Lembro do tempo que consumia história criando os possíveis futuros, imaginando os próximos passos, adivinhando a cena.
Mergulhado nela. Pesquisando mais.
Daí vamos fazer uma viagem, qualquer cidade: olhamos tudo.
A gente caminha pela rua e tira foto de um vaso com flores.
Senta na praça e se sente o máximo em conhecer uma história de alguém sentado no banquinho.
Ou quando você troca o carro por uma bike e começa a aprender sobre seu bairro.
E os nossos vizinhos hein? Dois, cinco, dez anos dormindo no mesmo teto que aquelas pessoas.
Você sabe a batalha deles? O que fazem ou querem? Você não poderia ser um atalho para isso ou pelo menos um parceiro de cerveja pra um jogo na tv.
Se tiver uma criança na família, observe ela observando.
Um olhar sedento pelo novo, pelo estímulo, pelo porquê.
Sem filtro. Sem condicionamento.
Olhar, ver, se instigar e não ter medo de falar, ou agir.
No bar tem aquele sujeito que torna tudo possível.
Sim, o garçom.
Já reparou que as pessoas pedem mil coisas pra ele sem olhar nos olhos dele?
É um olhar a meia altura, no vulto do garçom.
Você não sabe nem que cara tem aquela pessoa.
E a decoração do lugar?
E a mesa do lado?
O que muitas vezes acontece na nossa cabeça é que nos limitamos ao nosso papel.
Enquanto clientes no restaurante, só queremos comer.
Enquanto colegas de trabalho, queremos trabalhar.
Enquanto amantes, queremos amar.
E assim nos encaixamos em papéis, rotinas, limites.
E se a gente cruzasse isso?
Permitisse aceitar que cada pessoa tem uma história que merece ser ouvida.
Pode ser uma história de merda. Mas ao ouvir, você já tem um papel na felicidade alheia ou do ambiente. Ambiente que no fim das contas, somos todos responsáveis. Micro ou macro.
Vale pra vida e pro trabalho.
Pra compartilhar o post de “marcas humanas” nós somos os primeiros.
Pra falar sobre empatia, também.
Trabalhar no mundo de hoje exige um novo olhar.
Se colocar do outro lado, no lugar das pessoas.
Tudo foi feito.
Todos tem acesso as mesmas coisas.
Ninguém busca nada mais longe, em outro nível.
A pressa não faz descer a pergunta para possibilidades, consequências, rotas.
O novo e o poderoso é o que conecta. E o que conecta nasce da sensibilidade.
Qual o último olhar que te fez sentir algo?
Quem te conhece bem?
Quem você conhece bem?
Qual seu entendimento sobre aquilo? Qual sua curiosidade? Líquida?
Sejamos mais visitantes.
Ou mais crianças.
Ou menos amantes, colegas, filhos.
Sejamos gente.
Gente olha.
Gente que olha.
E cruza a caixinha do papel exercido, limitante, limitado.
Que os nossos olhos comecem a ver de novo.
Interesse. Anote essa palavra.
Interesse.
É apenas uma questão de querer, e exercitar.
Tô de olho em você.