O último suspiro das velhas pesquisas

POR

André Foresti

Fundador do Unplanned e Diretor de Planejamento na F/Nazca Saatchi Saatchi

Esse assunto é velho, afinal sempre depois de uma eleição alguém chora alguma coisa e é muito fácil colocar na conta das pesquisas. Na verdade, só aproveitei esse gatilho das eleições para expor um pensamento que muito me incomoda ao acompanhar alguns movimentos do nosso mercado. Se você acha que odeio pesquisas, está enganado. Odeio na verdade quem gasta uma puta grana e usa esse recurso de muleta para não fazer. Para concluir, ingenuamente (ou malignamente) o impossível de concluir.

Não vou simplesmente ser leviano de atacar pesquisas dizendo que elas não servem pra nada ou são enganação. O fato é que as pesquisas são as mesmas, do mesmo jeito, há anos, e o mundo não. Aí que mora o perigo, e aí que faço o meu ponto.

O que mudou, e por que esse jeito de pesquisar virou obsoleto?

Primeiro de tudo é que o jeito de planejar mudou. Por Deus, estou fazendo um artigo sobre isso há meses e não termino. Droga @#$* No planejamento velho tínhamos que ter certeza, garantias, entender tudo que vai acontecer com a marca em 5 ou 10 anos. Hoje, é tentar, falhar rápido e ter habilidade de ler certo para corrigir. Em beta. O planejamento guru da sabedoria deu lugar ao planejamento sensível com toda evolução. Aberto e colaborativo. O consumidor era uma caixinha facilmente decifrável. Falar qual seu target era uma barbada. Hoje o target é caótico, as vezes psicótico, as vezes analógico, as vezes profético ou tragi-cômico ou patético. E aí o patético vira você e suas convicções imutáveis. O planejamento, palavra safada, induz a sermos racionais e lógicos. E o Planejamento hoje é emocional, emotivo, bipolar. Uma vez a Lu Ceccato, amiga e também planejadora que hoje trabalha em contato com os melhores executivos do mercado, citou numa palestra: “Não dá pra ter planejamento. No máximo podemos ter uma boa estratégia.” Essa coisa ficou martelando na minha cabeça, o susto de relembrar que não temos esse controle todo que a nossa natureza planner foi orientada a achar que tem. Voltando às pesquisas velhas… Se o planejamento mudou, seria impossível a ferramenta de antigamente ser a melhor para fazê-lo. Adiós tiazinha do Mad Men.

Continuando o pensamento, nunca antes na história desse país (ou mundo) as pessoas estiveram tão carentes. Tanto estímulo, tanta conexão, que está todo mundo desconectado. A onda das selfies é um pequeno cheiro disso. A vontade de ganhar o badge e a aprovação da tribo é maior que a de viver as emoções ao fazer coisas e estar nos lugares. E o que tem a ver com as pesquisas? É tanta vontade de aprovação que você já não pensa o que acha, você pensa o que os outros gostariam que você achasse. E aí vai pro saco a resposta do grupo, da quanti, do marqueteiro, do colega ao lado. É a projeção da projeção do acho.

E a velocidade? Até ontem o sms era coisa nova. Whatsapp? Nada. Até ontem a cooperativa de taxi bombava. Morreu. Se bobear, os erros das pesquisas eleitorais tem a ver com isso, a velocidade é tanta que o sistema não consegue fotografar. Bom, tanto faz. O mundo está atacado, arisco, mutante, com pressa. É o atacante de alta velocidade, quando o zagueiro vai dar o bote, ele não está mais lá. Pênalti. Quando você decidir, já era. Quando você perguntou, era outra coisa. Mudei. Mudaram. Mudamos.

E a informação? As novas descobertas? A novidade da semana? Chocolate, que fazia mal, faz bem. A Time diz: “coma manteiga”, ou coma gordura… Um jornal gringo diz: “Crianças que jogam videogame são as mais espertas”. Até ontem os pais puxavam orelha dos viciados (em games!). Hoje não, hoje não, hoje sim. Do Cléber Machado ao glúten. Glúten não, glúten não, glúten sim.

E alguns alto executivos da praça, dos bem figurões das agências, das marcas… Shame on you! Cacarejam tempos de startup nos artigos da Harvard ou Proxxima e no fundo tudo que querem é uma pesquisinha que salve o emprego. Por Deus, que mundo vocês vivem? Uma bolha. Uns bolhas.

E a crescente mania de interferência na natureza das pessoas, na jornada do cara. A vida das pessoas já é complexa o suficiente para conseguirmos ler. Quem dirá para exigir que o pobre coitado saiba explicar porque ele faz as coisas. Não satisfeitos em entender, queremos inferir. Ou interferir? O cara mal sabe por que escolhe as coisas, ou gosta da coisas. Digo mais, temos um consumidor que cada vez menos sabe O QUÊ gosta, quem dirá POR QUE gosta. Mas não. Nós, pseudo gênios, vamos lá perguntar o que ele acha da nossa propaganda. Cara, a nossa propaganda? Prioridade 1762 no dia de um cara. Que, aliás, ele nunca tinha parado pra pensar o que achava daquilo. Parei pra respirar, daqui a pouco volto a escrever esse texto.

Voltei. Se não bastasse a subjetividade do que ele acha que acha. O fucking instituto pega o que o consumidor acha que acha e diz o que o rapazinho, freela da vez, acha. E vai cheio de razão com um PowerPoint de 250 slides pra tumultuar o que já é impossível: fazer o novo.

Uma vez, muitos anos atrás, tive um trabalho que tava agradando a todos (todos!) até dar um “agradável” no índice daquela empresa que nem vou citar, quem sabe esquecem que ela existe. Agradável. Dito pela internet (dito? clicado né ) para baratear custo… No meu tempo, um final de semana agradável podia ser uma coisa boa, só pra exemplificar a subjetividade de tudo.

Transformar o consumidor em Júlio Cesar, não o goleiro frangueiro, o julgador, deixando que ele tenha que aprovar tudo, é uma calamidade. As pessoas julgam baseadas nos seus repertórios. E o repertório se faz com o que se vê. Só que se o novo não passa na pesquisa, o pesquisado nunca vai ver. TELA AZUL. Pane! Amo uma frase que diz mais ou menos assim: “Tente consenso no sabor de sorvete entre 10 pessoas e você sempre terá sorvete de creme”. Acho que é do Dan Wieden. Genial! Bah!

Enfim, posso passar por muitas linhas mostrando o quanto o que era legal, não é mais. A fragilidade das pesquisas tradicionais. Posso mesmo citar uma série de fatores que fazem, por exemplo, empresas como a Grimpa, a querida CO.R, a Box1824 e tantas outras cada dia crescerem mais. Terem espaço e fazerem a diferença: Jornadas do consumidor, siga o coelho, laboratório de insights monitorado, real life, co-criação, coisas infinitas e maravilhosas.

O fato é que quem acompanha a evolução das coisas vê o quanto as novas grandes marcas são construídas rapidamente, sem burocracias, hierarquias ou bullshitagens. Bate palma pro Google mas age como a Mesbla (ou a Telerj? Ou qualquer tralha dessas). Estamos de olho. Vamos, pô! Fast fail. Feito melhor que perfeito. Purpose definido e Movimentos na rua.

Não é a toa que cada vez mais temos livros maravilhosos sobre empreendedorismo e economia criativa. Por sinal, adorei o “Empreendedorismo Criativo” da Mariana Castro. Enfim, livros sobre startups, sobre AÇÃO e tirar ideias do papel. Ideia não é mais ter uma ideia, é fazer uma ideia. Estão bombando livros sobre otimização de tempo, de produtividade, para acontecer e para viver. As pessoas querem, além de tudo, viver. Não perder tempo. Encheram o saco do esquema.

Se eu fosse executivo de qualquer empresa, deixaria hoje de gastar fortunas em pesquisas velhas, cansadas, batidas. Que não dizem nada, que não testam nada. Documentos chatos, enormes, que só em ler já se perde um tempo de ouro. Enquanto você está numa reunião decadente dessas, seu concorrente pode estar nascendo.

Salvaria essa grana para investir em gente. Ou dar presente para as pessoas ficarem felizes. Mudar o ambiente do escritório arcaico. Comprar comida gostosa (Thanks Google!) Gastaria para abrir novas lojas. Para inovar em serviços. Para um laboratório de cientistas de verdade, com caras de tecnologia. Para criar um departamento para desenhar o futuro ou estudar o futuro. Ou pagar cachê de especialistas fora da curva, de verdade, para inspirar a gente. Trocaria toda grana daquele instituto famosinho para melhora da experiência da marca nos plataformas móveis, no celular. Investiria para desenvolver uma comunidade perto da fábrica. Ou, se não for tão caridoso, para desenvolver sua cadeia de produtores locais, como faz o Whole Foods. Ah, qualquer coisa. De verdade, qualquer coisa. Menos uma punhetação de horas num clique de meia dúzia de pessoas que culminará num desagradável “agradável”. A gente tem que acreditar em alguma coisa. A marca tem que acreditar em alguma coisa. O que sua marca acredita? Não na parede do conselho. Na vida real! Na entrega, na ponta, na hora da verdade.

Por favor. Não gaste mais dinheiro em pesquisas feitas do jeito velho, a não ser que você queira ser um profissional do jeito velho e, provavelmente, deixar sua marca fora do jogo. Provavelmente, afinal, também não tenho certeza de nada. Só quis escrever para eu mesmo lembrar disso nas próximas reuniões desta natureza. Enquanto não estivermos salvos. Ou enquanto estivermos vivos.