Nada do que foi será de novo do jeito que já foi um dia

POR

André Foresti

Fundador do Unplanned e Diretor de Planejamento na F/Nazca Saatchi Saatchi

Faço questão de começar meu artigo expondo algumas experiências pessoais, que podem soar como uma “ego trip”, mas acho muito importante o entendimento de que tudo que somos e sentimos hoje na verdade é uma grande consequência dos nossos ensaios e experiências por aí. (Quem não quiser ler, pode ir direto pra palavra E DAÍ… com letras garrafais que coloquei no meio do texto. )

2011 Em parceria com o Carlos Henrique, montei o Unplanned que surgiu com 3 finalidades bem claras (como podem ver no seu velho manifesto, que hoje parece óbvio): – Mostrar que planejamento é um pensamento e não um departamento, e com isso promover a aproximação do planejamento com todas as áreas e disciplinas até mesmo além da agência. – Valorizar a estratégia mas também promover uma discussão e busca pelas ideias. Planejadores também como criadores de ideias e não como “passadores” de briefing. – Aceitar o erro, o improvável, o caos e o “tanto faz de onde vem”. Daí o nome. De quebra queríamos acabar com a panelinha do planejamento e democratizar um pouco o acesso a informação, inspiração e pessoas.

2012 Quase sem querer, caí no mundo do SxSW e foi paixão à primeira vista. Austin me conquistou e nunca mais fui o mesmo. Impossível que meu jeito de pensar e planejar passasse impune por esse turbilhão caótico de ideias, tecnologias e mudanças do jeito que o mundo acontece. Mundo do fazer, das crenças, da inovação, dos propósitos, da tentativa e erro.

Deste ano em diante, entre uma viagem e outra, visitei agências e conversei com amigos dos Estados Unidos, Argentina, Espanha, Canadá, Reino Unido, etc… e aos poucos fiquei desconfortável com o rumo de algumas coisas por aqui. Lembro como se fosse hoje o dia que saí da Anomaly (NYC), após um belíssimo bate-papo com Johnny Vulkan, entendendo que o planejamento tinha uma presença e importância muito mais orgânica em todos os processos, iniciativas e (respira) concepção de ideias.

2013 Na volta do SxSW de 2013, fiz uma parceria com os caras do Panda Criativo para ajudar na estratégia e conceituação do Festival Path (São Paulo), hoje talvez o principal festival brasileiro da economia criativa. Evento que também apresentei a palestra “Como Planejar em Tempos de Rápidas Mudanças”, conectando a teoria de planejamento ao caos de hoje e o maravilhoso mundo das possibilidades na economia criativa. Na carona deste ano, criei o Se Vira Chef, um projeto pessoal sobre gastronomia com tudo que aprendi em planejamento para me conectar com pessoas e inspirá-las.

2014 Ano passado, ao ser chamado para dar aula pelo Bootcamp da Miami Ad School, num projeto bacana de modernização do curso, de cara eu sabia que queria falar de algo diferente: como o pensamento de planejamento poderia ser usado por ai no mundo das startups e economia criativa (e clientes, etc…).

2015 Comecei um processo de reposicionamento do Unplanned. O atual projeto não atende mais o que eu e o Carlos pensamos a respeito da nossa profissão, atuação e papel. Queremos deixar de ser um espaço para planejadores e passar a ser um espaço para ajudar coisas a acontecer em diferentes áreas. Sem contar todos esses 10 anos trabalhando em São Paulo e trocando informações e impressões diariamente com tantos amigos bacanas que também observam tantas mudanças no nosso jeito de trabalhar.

E daí?

Recentemente, a Dani Rodrigues e o Alexandre Formagio me convidaram pra fazer a palestra de encerramento do Summit em São Paulo, que rolou no dia 16 de maio. O tema era o questionamento da nossa existência como planner, e fui escolhido por ter ensaiado esse pensamento em posts como Se eu fosse planner estaria preocupado, engordar ou crescer, cansado do que faz olhe para o SxSw e outros.

Foi a gota d’água. Ao parar, compilar meu material e escrever sobre o assunto caiu a ficha. Já era. O Planejamento morreu. Mas os planners estão bem vivos (uhu!!!!!).

Aliás, assim que descrevi minha palestra lá:

“Questionar é a principal atividade do mundo do planejamento. E se a gente questionasse o que estamos fazendo? Foi isso que o pessoal do Unplanned fez para repensar o futuro do projeto e da profissão. Depois de um dia intenso de palestras sobre conceitos e práticas importantes para o Planejamento, no palco do Planner Summit, vamos trazer algumas apostas sobre o futuro do que a gente faz, onde e como os planners podem atuar. Afinal, o velho Planejamento está morrendo, mas os bons planners estão bem vivos.” Ao preparar essa apresentação posso dizer que, definitivamente, entendi o novo cenário e como podemos lutar para sermos cada vez mais úteis ao mundo criativo de hoje.

As fragilidades do Planejamento estão por aí, escancaradas para quem quiser ver:

– Cada vez menos tempo e recursos para aprofundar os assuntos – Planejadores engolidos pelo processo. Lutamos tanto para ter a devida importância na agência que hoje temos 350 tarefas a mais que nos amarram a burocracias, processos, entregas e nos afastam do lado investigativo, disruptivo e inovador. – A crise do PPT: o documento (ppt, keynote, formulário) passou a ser mais importante que o conteúdo do documento. Ninguém lembra da estratégia, do insight, do plano, mas que tem que ter PPT tem. Primeira frase depois de qualquer reunião: “me manda a apresentação”. – No vacilo das agências (e também das suas áreas de Planejamento) as consultorias ganharam papel importante e são cada vez mais respeitadas pelos clientes. – Clientes incubando área estratégica e contratando talentos de planejamento para estas funções. Inclusive preparando e treinando melhor que a maioria das agências – Vagas de planejamento pelo mundo (principalmente nas agencias modernas) muito diferentes das estruturas hierárquicas que temos aqui. Misturando áreas como UX, BI, Design, tecnologia, engenharia, estatística, etc… – Redução do interesse de trabalhar em agências de propaganda se compararmos com outros tempos e empresas desejáveis como Google, Facebook e outras startups. – Planejadores pouco arejados e respirando nas mesmas fontes (redes sociais?!?) – Brasil ainda tem um agravante de ser um país que odeia estratégia e age basicamente por reação e impulso. Do governo ao paciente que marca consulta no dentista. Do diretor de marketing ao presidente do clube de futebol. E mais, mais, mais…

Apesar de todas essas questões, sou um otimista sobre a capacidade de atuação de quem tem por natureza o pensamento planner no seu dna, instinto e natureza. Diante disso, o que podemos fazer? Como vamos resgatar nossa relevância? Como usar o que sabemos fazer? Como mudar o jeito de trabalhar e evoluir?

Na palestra do Summit, organizei um pensamento sobre um “novo planejamento” baseado em 10 mudanças de mindset, que são:

1. Menos genial, mais coletivo Num mundo mais colaborativo, não tem muito espaço para salvadores da pátria nem gurus que brilham sozinhos e sabem tudo sobre tudo. Planejamento é um jeito de pensar, de amadurecer o pensamento, e nele todo mundo pode ser importante. Ao pensarmos juntos chegamos em territórios bem mais autênticos e poderosos.

2. Aceitar que o caos faz parte e é impossível querer ter controle de tudo Ouvimos por muito tempo que planejar é o mesmo que organizar tudo. Não no nosso mundo. Aqui é muito mais sobre emoções, comportamentos, informações e conhecimento. E nesse mundo louco, impossível querer ter controle sobre tudo. Abraçar o caos é encarar com beleza as novas possibilidades. Controlar tudo é certeza de envelhecimento de pensamento e participação no todo.

3. O que vale é fazer. Não dá tempo de colocar no papel Pensar é legal, mas ideias na gaveta não valem nada. É tempo de prototipar e executar as coisas. E, aqui, o planejamento não é mais apenas quem ajuda a conceituar tudo e sim acompanha a ideia até o final sendo importante com a execução e também com olhar de resultados.

4. Permitir erros, esquecer o conceito de perfeição, e aprender com isso. O melhor jeito de evoluir nos tempos atuais é fazer, errar, aprender, corrigir. Fast fail do Google. É um mundo para quem coloca as iniciativas pra rodar. Planejar é muito mais sobre a sensibilidade de ter o pulso do mercado, das mudanças, do real time do que antever tudo e ter a teoria perfeita. Nisso entra também uma boa discussão sobre as “verdades” das pesquisas que cada vez mais servem de muleta para burocracias e medos do que pra fomentar insights verdadeiros sobre tudo. As próprias pesquisas se contradizem a todo momento e por isso precisamos um olhar menos míope das informações, com sensibilidade e inteligência.

5. Abandonar os velhos rótulos sobre pessoas. É o mundo da diversidade de atitudes Cerveja é pra homem. Classe C não vai entender a piada. Carro esportivo é pra jovem. Etc, etc, etc… O que costumávamos pensar sobre as pessoas não funciona mais. Não dá mais pra descrever nossos públicos por perfis econômicos ou velhas verdades. As atitudes mudam e nosso pensamento deve acompanhar. Mundo mudou e muita gente está com dificuldade de ver. O planejamento tem papel fundamental nessa evolução de visão de mundo para conexão de marcas com consumidores.

6. Lembrar que tudo nasce de um “need” e o lado humano precisa estar no centro de tudo É lindo um mundo que a cada dia se abrem novas possibilidades digitais, de big data a tecnologias que possibilitam serviços e experiências apaixonantes. Porém, não podemos nunca esquecer que independente do momento e da ferramenta, uma conexão poderosa com o consumidor só existe se é baseada em seu comportamento e necessidade. Se a premissa do século passado era “fazer com que as pessoas quisessem as coisas” (Era da Propaganda) a nova ordem é do século XXI é “fazer coisas que as pessoas querem”.

7. Provocar empresas para ter verdadeiros propósitos (e todos podem!) Ás vezes parece que o papo é velho, mas a verdade é que ainda vemos propósito muito mais como forma de propaganda do que de existência das empresas. E “isso muda o mundo”. Começar ou reorganizar a empresa partindo de um papel na vida das pessoas é uma das melhores formas de sobreviver e construir marca hoje em dia. Em um mundo de excessos, vamos cada vez mais nos conectar com coisas que podem representar o nosso lifestyle e crenças. Fora a questão funcional que torna tudo mais fácil para entendimento das pessoas.

8. Todo bom planejador deve ser um pouco empreendedor Sabe a tão falada “dor de dono”? O planejamento parece ser um dos departamentos mais apaixonados pelas marcas, pelo trabalho, por discutir assuntos que nos importam. Existe uma paixão que acaba virando compromisso em querer transformar as coisas. E essa inquietude é o que nos faz poder trabalhar em diferentes modelos e empresas.

9. Não se pode pensar no digital fora do contexto humano Se encararmos o digital como um “modismo” e usarmos repetição de fórmulas e ações em social media estaremos diminuindo o potencial da revolução digital a apenas uma nova mídia. E aí vemos marcas desesperadas fazendo posts sem nenhum sentido e engajamento a não ser aquele “comprado”. (tá, eu sei que hoje tem que comprar, mas aí o papo vai longe) A Santa Ceia já era uma rede social. Tudo é social. Temos que usar esse lado para entrar e gerar conversas. Usufruir da principal tendência de marca para 2016: marcas transparentes. E esse é o meio para ser acessível, assertivo, autêntico e humano.

10. Experiências falam mais alto que promessas ditas A mensagem falada já não tem credibilidade. É muito fácil desmascarar produtos e marcas que não entregam mais o que prometem. Estamos vivendo a Era das Experiências, onde marcas cruzam a linha da propaganda para geração de novos eventos, serviços, benefícios, produtos que mudem a vida do consumidor. A experiência é a nova mensagem, e muitas experiências, dentro de uma mesma promessa, começa a construir o verdadeiro e novo posicionamento da empresa. Planejamento é um conector entre inspiração (que nasce no discurso, na campanha, na mensagem) e realização através das experiências e entregas das marcas.

Desculpa o textão. Mas queria muito registrar o conteúdo dessa palestra em um post que fosse acessível a todo mundo em qualquer momento que a gente quisesse discutir isso.

E, de verdade, eu acredito na gente. Não como estamos trabalhando mas em como podemos trabalhar. Acredito que se o planejamento souber se reinventar, além de resgatar seu papel, ele vai triplicar suas possibilidades de atuação e eficiência em ajudar as marcas a se comunicar com um mundo absolutamente pulsante. Seja qual for a cadeira que ele vai ocupar.

As agências um dia vão se reinventar. Empresas novas vão nascer. Novos lideres vão assumir espaços representativos. Comoditização vai despertar um pensamento mais profundo nas marcas. E por aí vai…

Nada do que foi será de novo do jeito que já foi um dia… E que bom.