[HACKTOWN 2016] Sinhás Moreiras

POR

Mateus Iglesias

Estrategista

Conheci melhor esse ano a cidade Santa Rita do Sapucaí, nas duas edições do HackTown. Coisa linda, clima ameno, paisagens das serras, comida e jeito mineiro que disfarçam que a cidade é um colosso.

Pra lá da praça central e sua bela igreja, dos queijos e farinhas do Mercadão, estão manufaturas de hardware, empresas de software e um institutos de engenharia que formam algumas das maiores cabeças da área de tecnologia e inovação do mundo. A cidade de 40 mil habitantes emprega 10 mil pessoas na indústria de tecnologia.

O começo de tudo isso já é uma baita história: a ricaça fazendeira (e ícone local) Sinhá Moreira encheu o saco de seu casamento arranjado, conseguiu um divórcio em uma atitude super progressista para a época e, inspirada por uma palestra de Albert Einstein em que o físico afirmava que o futuro do mundo é a eletrônica, ela criou a Escola Técnica de Eletrônica Francisco Moreira da Costa nos anos 50. Anos mais tarde nasceu o Inatel, que forma até hoje grandes cabeças da engenharia.

Sinhá Moreira não sabia mas tinha começado uma revolução na região. Hoje Santa Rita esbanja desenvolvimento, um IDH bem alto e uma cultura muito rica que mescla devoção, empreendedorismo e raízes mineiras. A cidade andou demais, com inúmeras propriedades rurais que produzem leite, café, cachaça e outros produtos de roça, além do desenvolvimento de produtos tecnológicos. É bonito de ver um “lugar que deu certo”, cheio de gente criativa, com iniciativa, e que encontra os meios pra fazer acontecer suas empreitadas. É uma bela e necessária lição e suspiro de esperança em um tempo em que tanto retrocesso é aplaudido. Essa reportagem conta um pouco sobre o Vale da Eletrônica, o conceito de APLs por exemplo é incrível. 

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E essa “aula de mundo” continua com o HackTown. Você se vê imerso em um ambiente de discussão com gente diferente, sobre assuntos diferentes (graças à vocação do Vale da Eletrônica, chuto que metade do publico seja da área de engenharia). O ponto em comum é que todos estão andando pra frente: propondo inovações em suas áreas, compartilhando testes que fizeram em seus negócios, contando aprendizados, mágoas e vitórias.

Para um publicitário, participar de um evento como esse é um chacoalhão contra o cinismo, é uma negação à nossa postura fatalista. “Jajá o Google vai fazer o nosso trabalho, não é mesmo?”

O HackTown quebra inércia. É uma chance de ouvir em palestras um professor de engenharia contar métodos que trouxe de Harvard e MIT pra engajar seus alunos, uma fotógrafa contar seu projeto de documentários artísticos de mulheres comuns, um jornalista mostrar como criou um canal de tradução das notícias para uma linguagem mais acessível - e como eles fazem isso funcionar no dia a dia. E é também ouvir nos botecos a história do planner que foi pra Santa Rita trabalhar em empresa de tecnologia, do planner que foi trabalhar na empresa que produz conteúdos didáticos, da atendimento que foi trabalhar no cliente… 

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Conversas de bar com amigos, dividimos histórias de como nós publicitários ainda retroalimentamos um modelo de trabalho que já era. Nós andamos de tênis, tatuados, mas somos conservadores. Gostamos de reuniões intermináveis e de produzir as coisas mais ou menos do mesmo jeito ("lá vem os chatos do digital"). Essa cultura é fruto de uma época em que a mídia garantia espasmos que jogavam muita grana pra dentro das empresas e em que propaganda era feita por gente rica pra gente rica. E infelizmente a gente acha que "da agência”, “do grupo”, “de Cannes”, vai vir uma tábua de salvação - e continuamos dia após dia replicando práticas antigas. Não vai vir tábua. A verdade está lá fora, amigos. E também está em cada um.

A verdade está lá fora porque o jeito como trabalhamos está obsoleto e, infelizmente, a gente não sabe muito bem como trabalhar de um jeito diferente. Ou seja, vamos ouvir gente de outras áreas, tentar aprender como tocar um negócio de outra maneira, sair um pouquinho do nosso ciclo de auto-referência. E a verdade está em cada um porque mudar o jeito que se trabalha, dentro ou fora das agências, exige muita disposição e um pouco de coragem. Aprendizado e inspiração o Hacktown e Santa Rita oferecem de sobra.

O evento é um empurrão. Todo mundo pode ser um pouquinho de Sinhá Moreira de sua própria carreira.