Fuçando o celular da Cláudia Giudice (do livro Vida Sem Crachá)

POR

Cleber Paradela

Sócio-Head de Estratégia na TUDO

O celular se tornou a verdadeira extensão do corpo humano. É com esse pequeno aparelho que passamos boa parte do nosso dia nos comunicando com a família, descobrindo novas bandas no Spotify, acompanhando séries no Netflix entre uma reunião e outra, respondendo e-mails de trabalho etc. Na verdade, o celular diz muito sobre a gente. Tornou-se nosso “querido diário”, protegido com mil senhas e códigos biométricos para ninguém fuçar. A ideia dessa coluna é quebrar essa criptografia para fuçarmos, juntos, o celular de algumas pessoas que resolveram se desplanejar e levar uma vida diferente. O que será que os celulares dessas pessoas podem falar sobre elas? O que as inspira? Qual a agenda delas? O que elas têm ouvido? 

Hoje fuçamos o celular da Cláudia Giudice. Para quem não a conhece, Cláudia começou como repórter da Editora Abril, onde fez carreira e chegou ao cargo de vice-presidente. Depois de 23 anos, foi demitida em um grande corte. Seu crachá, que abria muitas portas, de repente não valia mais. Depois de um tempo de reflexão, ela apostou todas as suas fichas no seu sonho antigo: abrir uma pousada na Bahia (A Capela, em Arembepe - http://pousadaacapela.com.br). A história é toda narrada no livro “Vida Sem Crachá” (Ed. Ediouro) e no site http://www.vidasemcracha.com.br. Em tempos de instabilidade econômica e busca por novos propósitos, pensar em um plano B se tornou crucial. 

Vamos à invasão do celular. Devorei o livro da Cláudia e três dias, depois embarquei em um voo para Salvador. Eu tinha um casamento no litoral norte e resolvi me hospedar na sua pousada. Curtindo uma caipiroska na varanda da pousada, ela entrou na brincadeira e abriu o celular para mim. 

O CELULAR

iPhone 6. Cláudia é Mac Nativa. É Applemaníaca desde 1992. Segundo ela, “desde quando Steve Jobs ainda era um maluco nadando contra a corrente dos PCs”.

MÚSICA

Minha primeira busca foi por algum app de música para saber o que ela anda ouvindo. Nada de Spotify, Deezer e poucas opções na playlist do seu iPhone.  Mas ela explica: quando está na pousada, ouve a música ambiente, que foi selecionada a dedo por ela. Apesar de estar na Bahia, nada de axé, forró ou arrocha. Só toca MPB. Mas no celular, que usa mais quando está em São Paulo, resolveu parar de ouvir música desde que foi desligada da empresa. 

Ela explica:

“Depois que perdi o crachá porque fui demitida, mudei de vida. Radicalmente. Vendi o carro e adotei a bicicleta, os pés e o transporte coletivo para me movimentar pela cidade e ouvir o que acontece ao redor passou a ser minha trilha sonora. Se pedalo, não ouço música para não perder o foco nem a atenção. Se ando, gosto de ouvir as falas da rua. Ouço cada história. No transporte coletivo, então, persigo conversas e descubro o que aquelas pessoas estão pensando, fazendo e acontecendo. Só ouço música em casa e na Bahia, onde também moro. Lá e aqui, a minha trilha é MPB. Meu gosto musical vem do passado, do útero, gosto das músicas que minha mãe gostava e segue gostando. Chico, Caetano, Gil, Cartola, Noel, Bethania, Adriana Calcanhoto e Alcione são os preferidos acompanhados de uma constelação interminável. Um detalhe: minha história é grifada por músicas que me inspiram, que me ajudam a pensar, que me indicam caminhos. Na palestra que faço toco seis, que são: Vai trabalhar vagabundo, Cotidiano, Sinal Fechado, Roda Viva, Volta por Cima, Aqui e Agora e o Extra, o rock do segurança”.

 

LITERATURA

Fuçando sua biblioteca virtual, encontro dois livros ainda não concluídos. O romance Número Zero (Umberto Eco, ed. Record) é um manual do mau jornalismo. O livro mostra um grupo de redatores reunidos ao acaso para preparar um jornal com o objetivo de difamar, chantagear e prestar serviços duvidosos. Pode ser uma pista: Cláudia se desligou profissionalmente do jornalismo (no caso dela, o bom jornalismo, que fique claro!), mas o assunto ainda a atrai.

Ela também está lendo A Noite do Meu Bem (Cia. das Letras). Após a proibição dos cassinos no Brasil, em 1946, uma legião de músicos, cantores, dançarinas, crupiês, barmen etc. ficou a ver navios. Mas os profissionais da noite, além dos boêmios de plantão, logo encontraram um novo habitat: as boates de Copacabana. E foi nesse contexto que surgiu a Bossa Nova. Essa publicação também pode inspirar Cláudia, afinal mostra que a Bossa Nova surgiu de uma adversidade, após profissionais da noite perderem seus crachás.

 

FILMES

A conta do Netflix da Claudia no celular não anda muito ativa. Ela explica: passou um verão intenso de trabalho na pousada e não conseguiu ver nada. Mas está na sua lista de “vistos recentemente” a série Gracie and Frankie. Grace (Jane Fonda) e Frankie (Lily Tomlin) estão encarando a temida “3ª idade”, quando descobrem que seus maridos estão apaixonados um pelo outro. O resto é spoiller!

Gracie and Frankie

http://www.netflix.com/title/80017537

Ela comenta que também adorou o documentário do Chico Buarque, sua maior paixão. Mas o longa não está disponível no Netflix.

 

AMIGOS

WhatsApp é uma fonte para entender bem a vida das pessoas. Todo mundo faz parte de algum grupo curioso. Perguntei sobre alguns deles, e Cláudia mostra: 

“Tenho alguns grupos. Um deles chama-se CG50 e é filho de outro que era batizado de Aremba por causa de Arembepe. Daí um dia colocaram uma pessoa que não era unanimidade nele e eu saí. O povo, o núcleo duro da amizade, saiu junto e criamos esse novo por causa da comemoração dos meus 50 anos no ano passado. Falamo-nos todos os dias, sobre a vida, notícias, besteira. É um alento saber que os melhores amigos estão ali ao alcance do dedo e do coração. Tenho outro chamado de BFF com duas amigas de infância. É a minha UTI afetiva. Sei que lá eu posso tudo. Uma coisa divertida são os grupos que crio por causa da pousada e dos transfers que organizo com o motorista de táxi, o senhor Batista. Tem tanta história engraçada de chegada e partida”.

 

APPS ÚTEIS

Pergunto quais apps ela não deletaria do celular. Ela me mostra o “Melhores Destinos”. O app permite encontrar passagens baratas. Claudia viaja bastante. E nessa nova fase da vida, com flexibilidade de horários, escolhe passagens mais econômicas. Seu livro explica bem as mudanças que adotou para levar uma vida mais simples e seguir com o seu plano B.

http://www.melhoresdestinos.com.br/app/

Depois mostra o WordPress, app para publicação de conteúdo em seu blog. O blog www.vidasemcracha.com.br se tornou sua válvula de escape após a demissão e acabou se transformando no livro homônimo.

https://apps.wordpress.org/


GALERIA

Fuçar em galeria de fotos alheia já é ir longe demais. Pedi para ela mesma escolher uma foto que goste. Mostrou-me esta.

Um ninho de passarinho feito na sua janela. 

 

 

CONCLUSÃO

Fuçando no celular da Cláudia e ouvindo suas histórias, a gente percebe que o assunto jornalismo ainda lhe persegue. Seja pelo livro Número Zero, seja pelo app para alimentar seu blog (www.vidasemcracha.com.br).  A grande diferença é que nasceu uma nova Cláudia (será que por isso ela escolheu a foto do ninho?), que colocou no pescoço o crachá da vida plena, e hoje tem o jornalismo como seu hobby. Em outras palavras, o jornalismo virou seu plano B.