Entrevista com o Dr. Bob Deutsch

POR

Unplanned

O antropólogo cognitivo, Dr. Bob Deutsch, é autor do livro "As cinco virtudes essenciais" (The 5 Essentials). É consultor na área de Inovação e branding para grandes marcas e já foi diplomata do Departamento de Estado dos Estados Unidos. Esteve no Brasil por diversas vezes. Morou na Amazônia por dois anos, durante a década de 80, junto com a tribo indígena Ianomâmi para estudar como ideias ganham espaço em uma cultura sem interferências da mídia. Além disso, já foi palestrante da Conferência do GP, em São Pauloi, e do TEDxInatel, em Santa Rita do Sapucaí, MG.

---

Como antropólogo cognitivo, você passou toda sua vida estudando pessoas. Quais são algumas das descobertas mais chocantes que você fez sobre a natureza humana em seus 35 anos de carreira?

Tive o privilégio de conversar com pessoas de diferentes origens e contextos, em todo o globo. Meu objetivo é entender como eles explicam seu mundo e o mundo – como constroem suas crenças e laços com pessoas, ideias e coisas.

O que sempre me impressiona nas pessoas cotidianas é a eloquência de mundana que possuem. Se você dá às pessoas tempo e oportunidade, e estabelece um contexto confortável mas desafiante, elas descobrem que são capazes de viver no nível  de si mesmo como uma ideia. E elas desejam isso.

Outras descobertas que são sempre surpreendentes sobre o pensamento e sentimento humano, mesmo já os conhecendo, incluem:

 · Compartimentalização: Como as pessoas facilmente separam e descolam coisas aparentemente contraditórias e não percebem a contradição.

· Emoção sobrepõe a lógica: O quão facilmente as pessoas trazem dados, fatos e informações alinhadas com suas crenças principais e emoções atuais; e não o contrário.

· Criação de narrativas: Como as pessoas facilmente percebem padrões entre coisas, e então vão de insinuações ao simbolismo a narrativas a metáforas a prever o futuro – tudo em um flash.

· Eu sou eu: Como as pessoas em todo o mundo querem ser reconhecidas como pessoas, com todos os direitos que essa situação traz. Vemos isso agora no Egito, em grande escala, mas também vejo isso diariamente, em pequena escala, onde quer que esteja, com quem é que eu estiver conversando. Sempre.

---

Em 'The 5 Essentials', você identifica as 5 capacidades fundamentais com as quais toda pessoa nasce, e que, se acessadas, levarão a uma vida mais completa e autêntica. Quais são essas 5 virtudes essenciais?

As 5 virtudes essenciais são:

1. Curiosidade: ir além do que é dado, do habitual, da rotina, do que é usual, e procurar por todo lado, para descobrir mais sobre como as coisas realmente funcionam.

2. Sensualidade: manter a sensibilidade acesa e nunc aparar de viver. Sentir seus 5 sentidos e viver os sentimentos, de forma que você descubra pistas reveladoras sobre como você se sente a respeito do que você encontra, momento a momento.

3. Abertura: não querer saber o final logo no começo, explorar as coisas além da superfície, estar aberto a surpresas.

4. Paradoxo; de forma inovadora integrar contradições para criar novas coisas... e combinar essas quarto para criar o principal de todos os pontos essenciais:

5. História própria: fazer a narrativa que emocionalmente reflete a sua verdadeira natureza. A história própria não é uma crônica da sua vida, nem um currículo. Sua história própria é criada a partir da interseção entre memória e imaginação, entre fatos e emoção, em termo de como você percebe os padrões na sua vida.

---

Como você identificou as 5 virtudes essenciais?

Estudando milhares de entrevistas que fiz ao longo de 35 anos, esses são pontos essenciais que são universais em todas as pessoas, independente da ocasião, QI e cultura. Se você vai viver uma vida que você verdadeiramente vive se sentindo vivo, esses são os recursos internos que devem ser reconhecidos e utilizados. A completude, o sucesso e a felicidade - do jeito de cada um - depende do que você quer experimentar.

---

Qual das 5 virtudes essenciais você acha mais valiosa. E por que?

Como já coloquei, os pontos essenciais de curiosidade, abertura, sensualidade e paradoxo, servem para ajudar as pessoas a criar uma história própria que é o ícone de quem e o que elas realmente são. A história própria é o reflexo dos padrões recorrentes e temas da vida de uma pessoa, incluindo dúvidas e nós. A história própria é a ideia essencial de você, que se sobrepõe à pressão do momento. 

A história própria de uma pessoa oferece tanto estabilidade quanto uma plataforma a partir da qual se pode explorar. A história própria nunca chega ao fim e está constantemente evoluindo através dos pontos “essenciais”. Como disse Bob Dylan “Eu nasci muito longe de onde deveria ter nascido Estou sempre no caminho de casa”. A sua história própria é o seu ‘lar’.

---

No livro, você diz que a maioria das pessoas não subiu o sarrafo o suficiente para si próprias tanto no pessoal quanto no profissional. Por que você pensa assim? Como as 5 virtudes essenciais ajudam a mudar isso?

Muitas pessoas se sentem coagidas pelas demandas diárias de trabalho, pelas responsabilidades familiares e pelas tarefas necessárias. Elas também percebem uma falta de tempo e de capacidade para auto expansão. Pelos últimos 7 anos, venho conversando com muitas pessoas – tanto profissionalmente quando pessoalmente – e percebo que elas se sentem separadas de quem realmente são. Elas se sentem desconectadas da sua natureza verdadeira. Essa doença tem proporções quase que epidêmicas mundo afora. E não tem que ser assim! As pessoas tipicamente não reconhecem que os 5 pontos essenciais que elas precisam para ir além do status quo já estão nelas próprias. Quando falamos destes 5 pontos essenciais, não existem exceções. Eles descrevem o “o que” e o “como” das habilidades que cada pessoa possui para viver uma vida que reflita essa natureza real.

---

Você acha que a cultura atual de ‘tudo rápido’ torna mais difícil para que as pessoas vivam vidas autênticas? Se sim, por que?

Sim, a vida hoje é caracterizada pela palavra “demais” – rápida demais, complexa demais. E neste mundo em que tudo é “demais”, um método eficiente para lidar com este contexto de vida, mas incapaz de preencher, é ir no piloto automático. É passar rapidamente pelas coisas principais, já pular para a próxima, e insistir em rotinas de comportamento e sentimento. Eventualmente, isso produz um entorpecimento, e logo nos separamos de quem realmente somos. Isso pode levar até mesmo a uma perigosa aceitação de uma depressão de baixa intensidade. As 5 virtudes essenciais ajudam a suavizar essa condição.

---

Além de ser antropólogo e ter uma PhD. Em Neurociência Cognitiva, você também é empreendedor. Conte-nos um pouco sobre a sua empresa, Brain Sells, e sobre os serviços que oferece.

A Brains Sells nasceu de uma série de eventos inesperados. É uma história fascinante e improvável que começou quando fiz uma palestra analisando como o Pentágono estava lidando com a cobertura da mídia da operação Desert Storm, em 1991, e que, através de vários passos, me levou a se conselheiro do governo do Japão em assuntos ligados à Diplomacia... que, através de vários outros passos, me levou a aparecer na TV falando sobre como as pessoas se conectam a ideias e como se conectam a produtos. Isso me levou a fazer uma palestra para uma série de CEOs de agências em uma reunião da American Association of Advertising. E a partir daí, os projetos de trabalho se intensificaram.

A intenção da Brain Sells é, primeiro, de estabelecer um padrão de marketing focado nas pessoas, como indivíduos reais, e não em consumidores. Segundo, a partir deste ponto de vista, A Brain Sells aconselha muitas das principais corporações e agências do mundo sobre como a história dos seus produtos pode ser trabalhada para entrar na história que as pessoas têm da sua própria vida, beneficiando tanto as empresas quando a cultura no todo.

---

Como uma ‘vida maior’ impacta no consumo e na construção de marca, já que muito disso está conectado à forma como as pessoas sentem e vivem?

Acredito que o que planejadores e estrategistas querem para si próprios e para o seu trabalho é incorporar o mesmo que os consumidores querem das marcas – a partir dessas experiências, ver a vida e a si mesmo de uma maneira nova e expandida. Esta é a definição de arte, e a vida deve ser vivida como uma arte.

---

Como as 5 virtudes essenciais se relacionam com estratégia e inovação?

Para estratégia, você tem que ir mais fundo do que é usual no mundo dos negócios e se retirar das maneiras habituais e rotineiras de comportamento, pensamento e sentimento. Esse espaço fora da sua zona de conforto é capaz de levar a uma apreciação dos princípios fundamentais que guiam a manifestação superficial das coisas. Aí, por exemplo, ao invés de usar a palavra “marca”, você foca nos processos e mecanismos que realmente guiam “anexação” – as maneiras não lineares e não muito racionais que são responsáveis pelo que pode ser uma relação sólida entre uma pessoa e um produto, uma ideia, ou outra pessoa. Anexação não é apenas uma palavra de marketing. Antes do marketing existir, existia anexação, o motor da história. 

Para a inovação, a imaginação é necessária. A imaginação não é baseada no que você sabe. Imaginação é baseada em passar o que você sabe através da peneira de quem você é. Portanto, é melhor conhecer quem você é de verdade. A inovação ocorre na intercessão da memória, da emoção e da imaginação. Uma base de conhecimento preenchida com fatos não é suficiente. 

Então, para estratégia e inovação, os 5 Essentials são essenciais.

---

Como criar um ambiente criativo?

Não acredito que seja possível ensinar pessoas a serem criativas. As pessoas tem que chegar à criatividade da sua própria maneira; não por um currículo pré-determinado. No entanto, primeiro de tudo, acho que uma seleção rigorosa – não treinamento – é onde uma agência ou corporação deveria focar seus esforços em desenvolver a entidade criativa. Esse tipo de processo de seleção exige métodos não-tradicionais de entrevista, observação e simulações de tomadas de decisão. E qualquer esforço ligado a criar um ambiente criativo pressupõe uma coisa – uma líder criativo que apoia e promove a criatividade através do seu próprio comportamento. 

Se cada pessoa em uma agência ou empresa não tem as habilidades necessárias para estratégia e inovação, e a agência ou corporação não tem um líder que valha a pena – “valer a pena” não por ter um currículo correto, mas pelo seu jeito de ser – as reclamações internas vão sobrepor a relevância daquilo que estão produzindo.

---

O mundo do cellular-internet-software-app vem produzindo coisas realmente novas?

A tecnologia mudou tanto que hoje até os executivos de marketing tem controle de verba de TI. Mas a tecnologia terá sempre que se encaixar na vida das pessoas, e não a vida das pessoas se encaixar na tecnologia. E os trabalhos da mente e do cérebro humano não tem mudado por muito, muito tempo. Usando meus olhos primitivos para enxergar o mundo moderno do marketing, creio que apenas uma coisa significativa mudou, e é uma mudança importante. Nós fomos de um mundo de produto-como-marca para EU-como-marca. A exigência para ser bem sucedido nesse novo mundo é entender as pessoas e mostrar que você as entende. Sob essas circunstâncias, penso que planners e criativos, e seus clientes, devem se orientar a 180 graus do que é normal. E o que é normal é um foco em produtos e seus atributos, ao invés de focar nas pessoas – em pessoas como pessoas, e não como consumidores. Muitos estão falando nisso, mas poucos atenderam o chamado.

---

O que você espera que as pessoas tirem de lição das 5 virtudes essenciais?

Espero que as pessoas, depois de ler e pensar sobre os 5 pontos essenciais, passem a acreditar na ideia de que elas não tem que se contentar com nada menos do que viver uma vida que reflita quem elas verdadeiramente são e que represente sua natureza autêntica. A vida de todo mundo é dramática. Estamos todos lutando contra monstros grandes e pequenos. Dessa forma, somos todos heróis, apenas de todas as nossas fraquezas humanas. Nós somos todos míticos.

---

Quais são seus próximos passos?

Realmente não sei… e não preciso saber, na verdade. Estou aberto, e não preciso conhecer o fim logo no começo. Se fosse forçado a responder, diria que uma próxima coisa iemediara seja escrever um livro para crianças com idade entre 13 e 18 anos sobre como encontrar sua natureza real, sobre como ir além da necessidade de se encaixar (ser parte do grupo a qualquer custo) e ir além da desconfiança de tudo (a crença de que você sabe tudo e mais do que todo mundo). Eu penso que este tipo de livro seria muito benéfico, e é um desafio enorme. Eu adoro grandes desafios. Com respeito à Brain Sells, como uma extensão de ideias no livro The 5 Essentials, estou fazendo mais trabalho em inovação. Recentemente também, tenho sido muito perguntado para fazer consultorias em desenvolvimento de conteúdo e sobre a natureza do storytelling humano. A maioria das histórias comerciais são no formato problema – solução – resultado. Bem, isso não é uma história. Uma história exige um personagens com um ponto de vista, um obstáculo, um turning point surpreendente, e um senso de fim. Meu trabalho nisso, chamo de “História da sua História”. E é parte de como minha história própria está evoluindo. Sempre com base na serendipidade e, de alguma forma, desplanejada.

---