Fundador do Unplanned e Diretor de Planejamento na F/Nazca Saatchi Saatchi
Se não gosta de texto longo, já aviso: vem aí quase um tratado que pretendo usar de base para alguns movimentos do Unplanned e etc. Mas se você gosta de pensar no que faz, ver os dois lados da moeda, espero que chegue até o final, nem que seja para me mandar longe ou então rechear ainda mais a discussão. (juro que gostaria de ouvir picas e estagiários divagando sobre o assunto).
Sou um apaixonado por Planejamento. Não tanto aquele planejamento do dicionário, da organização, da timeline, do controle. E sim o Planejamento “maroto, moleque, raiz”, do Júlio Ribeiro, da Rita, do Jura e do Uli. O planejamento detetive, investigador da vida, Sherlock Holmes dos problemas. O planejador de marca, estudioso de crenças, impulsionador de propósito, inspirador de movimentos. Transformador, estratégico, criativo, novo, único.
Sou tão entusiasta dessa porra que sai da minha cidade, deixando coisas que também faziam sentido para mim, em busca desse mundo novo. Me ferrei fazendo eventos de marcas bizarras, ações que ninguém viu, virando noites, indo em seminários, tudo para aprender, chegar onde queria, mexer com marcas importantes. Dar minha contribuição para elas e para as pessoas. (por que não para o mundo?).
Sou tão entusiasta que montei esse Unplanned para abrir o mundo do planejamento pro resto da galera. Abrir a panela. Por um planejamento menos genial e mais coletivo, menos departamento e mais pensamento, menos pesquisa e mais estratégia. Antes disso, tinha montado a United Planners para que o Bootcamp fosse eterno e não apenas 3 meses. Confraria para continuar aprendendo, sabendo o que os amigos fazem. Dedico meu final de semana para ensinar, aprender, viajar, palestrar, trocar. Fui a Joinville, Goiânia, Gramado, Ribeirão, Buenos Aires e outros mil lugares em busca dessa batida do coração. Enfim, todo esse romance pra dizer: Eu “amo muito tudo isso”.
Por estar dentro do jogo, tenho acesso e converso com muita gente diferente de planejamento que está por ai lutando nas agências, consultorias, veículos e clientes (nova onda de uns tempos pra, graças a Deus). A cada segredo, aumenta minha vontade de revelar e compartilhar o que meus amigos estão me revelando.
Nesses papos, fica cada vez mais evidente a contradição do planejamento. Um “dark side of the moon”. Talvez o lado negro da força, velado, silencioso. Tipo Lorde Voldemort, que ninguém pode falar sobre. Ou então Krusty, o palhaço dos Simpsons, fofo e feliz no palco e que sofre dos males dos humanos ao apagar das luzes. A vida é assim, não?
No palco do GP, no curso do Unplanned, na minha palestra ou no case do Effie está tudo lindo. Somos legais, descolados, importantes. Achamos insights, fomos decisivos nos jobs. Nos números, uma maravilha. Departamentos que crescem. Clientes que nas pesquisas respondem que somos o maior diferencial de uma agência. Meninos de 27 anos diretores, articulistas, professores. Vendemos um sonho e o mundo comprou.
É muito fácil falar que vai dar merda quando está dando merda. Videntes de notícias. O difícil é somar os fatos e refletir se estamos no caminho certo. Ou não.
Falando com a galera, algumas coisas me chamam atenção:
O povo fugindo das agências… Se olharmos nos últimos dois anos, muita gente saiu de agência para trabalhar estratégia em empresas como Nike, Netflix, Viber, Facebook, Google, Twitter, Coca-Cola, Oppa, Terra, AmBev e até a Rede Globo. Outros planejadores importantes do mercado abriram suas consultorias de inovação. Fora aqueles que viraram chef, dj, dogwalker, dono de casa noturna ou criaram apps, wearables e ongs. Entre outros que ficaram, depois de 3 taças de vinho, confessam que praticamente não acreditam mais no negócio, mas ter um emprego ainda é confortável para eles ou o financiamento do seu projeto pessoal. Se pensarmos nos entrantes, basta fazer uma pesquisa para ver que a “desejabilidade” das agências de propaganda nos jovens de 16 a 20 anos mostra um choque ainda maior.
O processo que nos mata… Queríamos espaço, pronto, conseguimos. Mas não necessariamente isso trouxe boas conseqüências para o nosso existir dentro de uma agência. Quali x Quanti. A indústria da propaganda passa por um processo de terapia. Agências no divã. Chega um novo pedido do cliente, nunca antes visto na história da propaganda, e lá vai o planejamento coringa tentar resolver. Fora os reports, apresentações do cliente, acompanhamento das pesquisas, defesas, tendências, recaps, briefings, posts, B.I’s, alinhamentos e malditas infinitas reuniões. O que era o ar fresco da agência virou um departamento operário, anestesiado. E não to dizendo que não temos que ser um pouco donos do projeto, até porque acredito que o Planejamento moderno tem que chamar no peito mesmo… Foi-se o tempo de ter insight e passar briefing ou conceito. Mas como fazer sem motivação, sem cérebro, sem agenda e sob pressão?
A estratégia sendo terceirizada… Não foi de graça que as marcas começaram a recorrer a gurus de empresas especializadas. Claro que não essas consultorias bobinhas, de hackers da auto ajuda, mas sim empresas sérias, transformadoras, executivas. Que desenvolvem branding, produto, experiência e retorno. Os gurus do passado estavam nas agências. Tinham autoridade, voz, atitude e independência. Quem aconselha os grandes movimentos das empresas hoje? O planejamento, agora super ocupado, deixou um buraco.
O modelo brasileiro conflitando com a revisão de lifestyle atual… A mesma lógica que serviu para não construirmos estádios a tempo da Copa, vale para campanhas e coisas feitas nas coxas em cima da hora. E a sucessão dessa loucura, somado a concorrências, faz o cidadão morar na agência. Por isso, adorei o texto do Rynaldo Gondim no CCSP. Na verdade, o que sempre foi bonito e heróico está ficando babaca, sem sentido. Vejo pessoas cada vez pensando em aproveitar suas vidas, equilibrar ambição e felicidade. Vale para publicitários, de modo geral, mas vejo os planejadores bem mais inquietos e sensíveis a isso, buscando alternativas, crenças, movimentos. Exemplos como o Festival Path estar lotado de planners trazem a tona essa realidade. Diante desse cenário, em paralelo a economia criativa oferece a pílula mágica das mil possibilidades e caminhos, onde tudo parece belo, autêntico, possível. Vejo pessoas buscando felicidade antes de carreira.
Cada vez mais buscamos a conexão direta entre interesse-interessado… Nós, planners, ficamos eufóricos com projetos tipo o 99Taxis ou o Airbnb. Que mata a rede de agentes, o homem do meio, ligando diretamente interessado no interesse. E se pararmos pra pensar, nosso negócio acaba sendo um negócio de agentes. Negócio de criatividade, mas no fim das contas, o que nos mantém de pé é que intermediamos veículos, oportunidades e projetos. Vivemos uma contradição de ver o mundo matar o agente e sobreviver dele. E esse conflito no planejamento é ainda maior, temos vocação para agentes de mudança e estamos agenciando outras coisas.
Menos repertório na mesa… Pesquisas apontam por ai o quanto os clientes querem inovação, inteligência e presença do Planejamento nas suas contas, nos seus projetos e (a bem da verdade) nas suas reuniões. Mas falando com diversos amigos, notamos cada vez mais que a busca por estratégia é inversamente proporcional ao entendimento dela. Da aplicação das soluções à compreensão da inteligência aplicada aos projetos e marca. É o famoso ”adorei o planejamento, mas quero uma ideia que seja assim, assim, assim”. Infelizmente temos visto alguns executivos mais preocupados com o processo do que com o produto. Com o clima, do que com a inovação. Com o report do que com a campanha. Com a aprovação na pesquisa do que com resultado efetivo da campanha. E, tristemente, também mais preocupados com agradar o chefe do chefe em hierarquias que lembram estatais de 1980, do que com suas convicções.
Os ppt’s e keynotes deixaram de ser ferramenta e viraram produto… … produto que as vezes atrasam a vida da marca. É tanta regra, “do’s & dont’s” e policies que muitas vezes deixam o processo tão lento que ao nos confrontarmos com um mundo em real time, perdemos grandes chances para as marcas. Planners estão cada vez mais engessados por burocracias, pesquisas, mandatórios, alinhamentos, egos e afins. O maior aprendizado do South by Southwest deste ano foi que não dá mais tempo de colocar as coisas no papel. É fazer, acertar, errar, aprender, corrigir. São tempos de inovação e inovar pede risco. Não existe inovação garantida. Se há garantias, não é novo.
Se desligar o facebook, “os planner pira”… Antes que atirem a primeira pedra, óbvio que estar conectado, antenado e online é nosso trabalho. Mas estamos com um olho no peixe e outro longe do gato. O mesmo ímpeto que temos para “estudar” o Facebook, não temos para estudar revistas, livros, rua, gueto, estádio, feira, pessoas. É legal todo mundo ficar sabendo da última campanha da marca bacana em 10 minutos. Mas essa é a nossa principal fonte? Acho que estamos todos viciados (doentes?) no fascínio que a tecnologia nos proporciona que paramos de treinar o olhar. Deixar o celular em casa é estar nú. Uma vez brinquei com amigos, vamos ficar uma semana sem redes sociais? Um estudo social de ver o que isso nos acarreta. Ficaremos burros? Desinformados? Ou será que vamos conseguir pensar coisas que normalmente não pensamos? Pesquisa recente mostrou que quem tira fotos armazena menos do que quem olha as coisas. Tipo isso. Óbvio que o mobile, as redes sociais e a tecnologia são vitais e vão devem ter espaço maior na nossa vida. Mas os movimentos “slow” dão cheiros que eles podem ser equilibrados com outras coisas, assuntos e estímulos.
Vagas de planejamento pelo mundo: Brasil X Resto do Mundo O mundo tem pensado diferente. Se você olhar as agências mais descoladas do mundo já não tem um departamento tão institucionalizado para o planejamento. Os nomes mudam, são mashup de planners com outras coisas ligadas a tecnologia, ux, design, criação. Em alguns casos até temos o “brand strategist” , mas esse cara mesmo tem um escopo bem diferente do que fazemos no dia a dia por aqui. Ainda, se olharmos países tipo Argentina e Espanha (que conheço mercado de perto), os planejadores são a minoria, quase inexistentes.
Enfim, devem ter mais outros fatos e histórias, mas essas são as que mais tenho ouvido. Esse é um texto não-conclusivo. São fatos, nos quais cada um de nós pode refletir. Pode parecer que o copo está meio vazio, mas não acredito nisso. No fundo, acho que tudo se transforma. “Nada é permanente, exceto a mudança”, na famosa frase de Heráclito. Levamos um bom tempo para ganhar espaço, porém me parece que agora temos que defender nosso pensamento, nossa relevância e nossa evolução. Seja no formato que for. Que adianta você dedicar uma carreira inteira para ser o número 1 de uma atividade não sustentável. Imagina o cara que passou a vida na cooperativa de taxi, lutando pra chegar no topo, e na vez dele lançaram o 99Táxis… Tudo pode acontecer.
Tem uma coisa mágica que me dá esperança de renovação: Se por um lado vejo coisas estranhas acontecendo no Planejamento, por outro vejo a mágica acontecendo nos planners. Eu não sei se ainda amo o planejamento, mas eu amo e confio nos planejadores. Se o planejamento tá “meio assim, sei lá”, os planejadores estão voando. Estão conectados com um mundo novo, sedentos por movimento, com coragem de fazer acontecer. Será que não chegou a hora dos planejadores planejarem o futuro do nosso trabalho? Afinal, independente do jeito de atuar, somos a mesma coisa. Tanto faz se o planner estiver dentro ou fora da agência. Em tecnologia ou gastronomia. Importa é que ele tenha espaço para fazer o que sabe fazer: transformar
O que essa reflexão pode virar em um cenário macro eu não faço ideia. Planejamento gosta de falar, e tem dificuldade em fazer. Por isso, desde já, convido publicamente o Carlos Henrique, meu sócio aqui no Unplanned, para repensarmos o papel do nosso projeto diante dos novos desafios e ampliação das nossas possibilidades como profissionais, pessoas e apaixonados. Somos planners, estrategistas, inovadores, provocadores, fazedores. Tanto faz onde.